Seguindo na mesma linha do meu post anterior, aqui trago um artigo breve sobre cyberpunk e seu impacto cultural.
Cyberpunk é um gênero da ficção científica que foi altamente popular durante a década de 80 e começo da de 90, e muito de sua ambientação deriva das preocupações pertinentes à época.
Com inspiração nos filmes noir dos anos 50 – Tramas de detetives particulares resolvendo mistérios em metrópoles decadentes – traz histórias sobre sujeitos às margens da sociedade, muitas vezes criminosos ou apenas de moral duvidosa, tentando sobreviver em cidades futurísticas e distópicas. A ligação humano-máquina, as consequências da internet e o trabalho dos hackers, a ambientação do ciberespaço, tribos urbanas, o poder das megacorporações e drogas são alguns dos temas explorados.
Os personagens às vezes são descritos como “high-tech low life”, ou seja, com alta tecnologia, mas pouca qualidade de vida. Por vezes, eles precisam inventar a própria solução para os problemas à partir de implantes cibernéticos ou “gambiarras” construídas com lixo eletrônico, trazendo a cultura “faça-você-mesmo” dos punks para o ambiente da narrativa.
Lawrence Person, editor da então ativa revista de ficção científica Nova Express, os caracterizou da seguinte maneira:
“Personagens clássicos do cyberpunk eram solitários, alienados e viviam às margens de uma sociedade, geralmente em futuros distópicos, onde a vida cotidiana era impactada pelo rápido desenvolvimento tecnológico, uma datasfera onipresente de informação computadorizada, e modificações invasivas ao corpo humano.”
Suas origens se encontram em um grupo de autores, que durante os anos 60 e 70, passaram a quebrar as leis tradicionais da escrita, e influenciados pelas obras do modernismo, trouxeram mais realismo ao universo da ficção científica. Os autores Roger Zelazny, J.G. Ballard, Philip Jose Farmer, e Harlan Ellison foram alguns dos pertencentes à “New Wave” da ficção científica.
A geração seguinte, inspirada por suas obras e outras como “Andróides Sonham Com Carneiros Elétricos?” de Philip K. Dick, também cansados do que era considerado um bom texto na época, começaram a escrever sobre futuros menos distantes, mais próximos de suas próprias realidades.
O autor William Gibson, em entrevista, disse o que pensava da ficção científica de então:
“(…) Hammett [autor] deve ter sido quem me moveu para a ideia de “superespecificar”, o que geralmente faltava nas descrições de FC; autores de FC tendem a usar genéricos – ‘Então ele colocou a roupa de astronauta’- uma rejeição à especificação é quase uma tradição não mencionada dentro da FC. Eles sabem que podem se safar fazendo um personagem aparecer em algum planeta distante e inimaginavelmente estranho, e dizer, ‘e ele olhou pela janela e viu a fábrica de ar’. Não parecem se importar se o leitor não faz ideia de como é a fábrica, ou até mesmo o que ela é.”
Em 1983, um conto chamado Cyberpunk, escrito por Bruce Bethke, apareceu na publicação Amazing Stories, e logo o termo se espalhou.
Alguns dos destaques dentro do gênero foram William Gibson (autor de Neuromancer e a Trilogia do Sprawl, co-autor de A Máquina Diferencial), Neal Stephenson, Bruce Sterling (co-autor de A Máquina Diferencial), Bruce Bethke, Pat Cadigan, Rudy Rucker, e John Shirley.
Dos destaques literários, a Trilogia do Sprawl (Neuromancer, Count Zero e Mona Lisa Overdrive) de Gibson é um grande marco do cyberpunk.
Estes autores iniciais não mantiveram todas as suas histórias no solo dos Estados Unidos, e foram muito inspirados pelas cidades hiperpopulosas da Ásia quando procuravam por referências para as suas megalópoles. Muitos, inclusive, situaram suas histórias em Hong Kong e no Japão. Outro ponto de inspiração era a Cidade Murada de Kowloon, uma área altamente povoada e sem governo localizada em Hong Kong, demolida nos anos 90.
Os autores japoneses logo se familiarizaram com o gênero e assim surgiram diversos mangás e animes que expandiram a vertente. Exemplos são os mangás Akira, Ghost in the Shell e Neon Genesis Evangelion.
Algumas ramificações do gênero levam à filmes, as vezes adaptações de livros e contos, mas também à histórias originais, como o aclamado Matrix. Seus temas e visuais não só difundiram o gênero, como afetaram a moda e estilo de vida na época, como nós veremos em breve.
Os jogos também exploraram as distopias futuristas à fundo. Exemplos notórios de videogames são o antigo System Shock, do início dos anos 90; a franquia Deus Ex, que continua a se renovar, e o mais atual Mirror’s Edge, que embora se encaixe tematicamente, traz uma bela metrópole ensolarada sem poluição aparente. O tema é também explorado por RPGs de mesa, tendo marcos como Shadowrun e Cyberpunk 2020.
O cyberpunk também influenciou a moda. Durante a pesquisa para um projeto, tive a sorte de encontrar o blog de um autointitulado “cyberpunker”, onde ele também trazia um artigo sobre vestimentas dos apreciadores do estilo. Segundo ele, Isaac L. Wheeler, as modas se deram assim:
– A primeira geração, cerca dos anos 80, se inspirava fortemente no cyberpunk clássico, e também nas roupas dos punks da época. Era mais rústico que as modas que vieram depois, geralmente com um toque retro. Usava muito couro, a maior parte, se não tudo, em preto. Também tinha influências militares, além dos acessórios como óculos espelhados e botas de cowboy.
– A segunda geração, dos anos 90, estourou na época em que Matrix foi lançado. Sobretudos longos e roupas de látex eram marcantes. Na mesma época, houveram os “Cyberdélicos”, que misturavam o psicodélico com a tecnologia. Eles usavam óculos multicoloridos e estampas de fractais.
– A terceira geração, atual, usa roupas mais urbanas e elaboradas, com foco na funcionalidade. Adaptação da peça à diferentes situações é bem procurada, e elas costumam ter gorros. Cinza, branco, metálicos e algumas variações de cores aparecem aqui. Além destes “techninjas”, roupas influenciadas por equipamento tático e militar também se destacam.
Como podem ver, a percepção das pessoas sobre o gênero mudou com o passar do tempo, embora o conceito do “hacker contra o mundo” continua presente. Há muitos paralelos que podem ser traçados entre o mundo de hoje e as histórias de ontem, como, por exemplo, o auge dos movimentos de hacktivismo pelo grupo Anonymous, alcançado em 2011, os atuais “sequestros” de episódios de séries de TV por hackers maliciosos, e até mesmo a forma que as redes sociais afetam nosso cotidiano, deixando a linha tênue entre o real e o cibernético cada vez mais turva.
A mudança da visão também altera a abordagem da ficção científica. A série Black Mirror também trata de futuros sombrios, mas ela não pondera tanto sobre a hard science fiction, a forma que as possíveis tecnologias do futuro funcionam, quanto se utiliza de extrapolar o que já temos e mostrar implicações sombrias do seu impacto sobre uma sociedade fútil e individualista.
Durante a minha pesquisa, também encontrei uma previsão curiosa. Com aparelhos mobile capazes de fazer tudo o que um computador desktop faria, trabalhadores que apenas dependem do pc na profissão não precisam mais ficar atrelados à escritórios ou home offices. Poderiam viajar, conhecer o mundo, e continuar trabalhando de onde quer que fosse. Eles já existem, e estão sendo apelidados de Urban Nomads, ou Nômades Urbanos. Seus números irão crescer muito nas próximas décadas.
O que mais o futuro pode guardar?
Referências:
WHEELER, Isaac L. Cyberpunk Fashion Guide [SUB]. Neon Dystopia, 2015. Site: https://www.neondystopia.com/cyberpunk-fashion-lifestyle/cyberpunk-fashion-guide-sub/ Último acesso: 08/08/17
MCCAFFERY, Larry. An Interview with William Gibson. McCaffery 1991, pp. 263–285 Site: http://project.cyberpunk.ru/idb/gibson_interview.html Último acesso: 08/08/17
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